Melhoria da Qualidade de Vida com a Prática de Meditação Guiada (Mindfulness) em Ambiente Corporativo

Juliana Torres Santos de Morais

1 Introdução

O homem moderno vive mergulhado em contradições. Se por um lado há uma sobrecarga de informações das mais variadas qualidades, ele não consegue saber exatamente o que se passa em seu próprio corpo. Quando por um lado há uma conectividade rápida e eficiente com qualquer parte do planeta, as relações em seu dia-a-dia tornam-se cada vez mais rasas. Muitas opções de entretenimento e pouco tempo para desfrutar o próprio sofá. Assim, os números crescem no que tange o stress e outros impactos na saúde provocados pela rotina desgastante imposta pelo sistema socioeconômico (GIUSEPPE LA TORRE & COLS., 2018).
O stress crônico e o burnout são frequentemente o resultado de um desequilíbrio entre as demandas do trabalho e os recursos físicos e mentais do trabalhador (GRENSMAN & cols., 2018). Assim, as empresas estão procurando maneiras para combater o problema e promover mais bem-estar. Um recurso pessoal que está relacionado a melhor habilidade de lidar com fatores estressores é o treinamento Mindfulness (KERSEMAEKERS &cols., 2018). No Brasil, Mindfulness se traduz como Atenção Plena. A definição segundo Kabat-Zinn (2003) é um estado de atenção consciente no momento presente, em um modo de aceitação e gentileza. É essencialmente uma habilidade cognitiva e provou-se ser melhorada através do treinamento (HIRAYAMA & cols., 2014). Basicamente, o treinamento consiste em práticas constantes de meditações, onde o indivíduo coloca-se como observador de seus pensamentos sem tentar julgá-los. O foco é na respiração e nas sensações corporais. Nos últimos 20 anos, os treinamentos Mindfulness (TM) têm sido empregados para redução do stress e melhoria da saúde mental em populações clínicas ou não. Existem atualmente evidências substanciais dos benefícios dos TM nas estratégias de lidar com stress e no bem-estar (STRAUS &cols., 2018).
Em oposição ao stress, muitos estudos voltam-se para o entendimento do que seria o que chamamos de Qualidade de Vida (QV). Trata-se de um conceito que tem sido estudado sob diferentes perspectivas e englobando diversos fatores (psicológicos, sociais, demográficos, e até mesmo culturais). É considerada como a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações (WHOQOL, 1994). Devido a essa complexidade, conforme abordam Dantas, Sawada e Malerbo (2003) e Seild e Zannon (2004) a QV apresenta-se como uma temática de difícil compreensão e necessita de certas delimitações que possibilitem sua operacionalização em análises científicas.
Um valioso instrumento de avaliação dos aspectos ligados ao stress e a qualidade de vida é o Breve ICES (autoria de Rahe, 2000), que adota uma perspectiva multidimensional: ele avalia o equilíbrio na vida das pessoas considerando suas fontes de stress, a maneira como lidam com o stress e seu estilo de vida. O teste inclui cinco categorias de stress (Quem é você; Mudanças de vida recentes; Sintomas físicos; Sintomas psicológicos e Comportamentos e emoções) e cinco categorias para lidar com o stress (Hábitos saudáveis; Apoio social; Reações ao stress; Satisfações pessoais e Objetivos de Vida e Conexão).

1.1 Objetivo

O objetivo do trabalho foi comprovar a eficácia de um treinamento Mindfulness com duração de oito semanas na melhoria dos aspectos avaliados pelo Breve ICE em trabalhadores de uma grande empresa que foram encaminhados pelo departamento médico ou que se inscreveram espontaneamente no programa.

2 Metodologia

O programa foi proposto pelo departamento médico da Empresa com objetivo de melhorar a qualidade de vida dos funcionários que se apresentavam de forma recorrente ao ambulatório com queixas relacionadas ao stress como dores de cabeça, bruxismo, baixa imunidade, fadiga extrema, etc. Foi aberta também a participação para alguns funcionários que se inscrevessem espontaneamente para o programa.
A autora deste estudo foi convidada para conduzir o programa de meditação, que foram realizados encontros para explicações e orientações sobre Mindfulness. A partir disso, foi disponibilizado um canal online com áudios de meditação guiada onde o funcionário conseguia interagir constantemente com a consultora. Neste canal, o funcionário recebia diariamente mensagens motivacionais para a realização das meditações e também para a prática diária de reflexões a respeito da atenção plena, resiliência, compaixão, gratidão, etc. O programa teve duração de 8 semanas. Foi aplicado o questionário Breve ICES antes e após o protocolo, caracterizando-se um estudo longitudinal prospectivo. Para evitar conflito de interesse, a análise estatística dos dados foi realizada por um departamento de Tecnologia da informação contratado pela Empresa. A análise estatística realizada foi a descritiva baseada em tendência central. O programa estatístico utilizado foi o RapidMiner.

3 Marco Conceitual

O stress no trabalho é uma das principais fontes de gasto nas empresas e afeta profundamente a produtividade (BISHOP, S.R. et al, 2006). Entre os empregados nos Estados Unidos, a carga de trabalho e as relações interpessoais são as maiores razões para o stress ocupacional. Mais de um terço dos empregados perde uma hora por dia ou mais em produtividade, enquanto mais de um terço perde entre três e seis dias por ano devido ao stress. Uma pesquisa do site Statista em 2017 encontrou que 23 por cento dos empregados relataram que suas empresas promoveram programas de prevenção ao burnout e 13 por cento ofereceram programas de reintegração, demonstrando a crescente conscientização por parte das empresas sobre a importância do controle do stress e dos perigos do burnout entre os funcionários.
Estudos desenvolvidos na França por Dejours (1987) criticam o modelo taylorista e demonstram que é a organização do trabalho a responsável pelas consequências penosas ou favoráveis para o funcionamento psíquico do trabalhador. O autor afirma que podem ocorrer vivências de prazer e/ou de sofrimento no trabalho, expressas por meio de sintomas específicos relacionados ao contexto sócio profissional e na própria estrutura de personalidade (MENDES, 1995).
Neste contexto, a prática do treinamento Mindfuness ganha cada vez mais espaço. Alguns pesquisadores contemporâneos têm descrito o termo em dois componentes: um mais relacionado a processos cognitivos, a autorregulação da atenção mantida para a experiência imediata; e outro a processos emocionais, a adoção de uma postura de curiosidade, abertura e aceitação às experiências do momento presente (LAMOTHE, M. et col. 2018). Ensinamentos tradicionais e uma meta-análise feita por Eberth & Sedlmeier (2012) apontam que Mindfulness pode ser desenvolvido por meio do hábito sistemático da meditação. Segundo a psicologia budista, a prática regular e contínua da meditação pode oferecer ao indivíduo um novo entendimento dos conceitos de si, de outro, do mundo, da sociedade e da natureza da experiência (HIRAYAMA M.S,et al 2014).
Estudos têm comprovado benefícios tangíveis com a aplicação do treinamento Mindfulness. Em uma revisão sistemática, Janssen e colaboradores (2018) pesquisaram entre 24 artigos científicos, concluindo que a aplicação do treinamento Mindfulness melhora os aspectos psicológicos de trabalhadores. Bazzano e seus colaboradores (2018) pesquisaram os efeitos do treinamento Mindfulness associado a yoga em estudantes e professores do ensino fundamental. Houveram melhora nos escores tanto psicossociais quanto emocionais.
De fato, o tema stress e estratégias é bastante subjetivo. Keller e seus colaboradores (2012) pesquisaram a relação entre a quantidade de stress e a percepção do stress sobre a saúde de indivíduos nos Estados Unidos. Os resultados foram interessantes pois apenas as pessoas que relataram alta carga de stress somada à alta percepção do stress apresentaram prejuízos significativos à saúde. Isso torna mais interessante a utilização de um método de avaliação que considere estratégias do indivíduo como por exemplo o Apoio Social, presente no breve ICES.

4 Resultados

Um total de 43 pessoas participaram do programa. Na avaliação inicial, mais de 60 por cento dos participantes se enquadravam na zona Preocupante do nível de stress segundo o Breve ICE. O gráfico seguinte mostra a pontuação média do grupo antes e depois do programa. Houve aumento geral do score em cada um dos domínios avaliados após o programa de treinamento Mindfulness. Com expressiva mudança do perfil geral de Preocupante e Regular para Bom e Excelente (Gráfico 1).



A seguir, o Gráfico 2 apresenta o nível total de stress do grupo mostrando o número de participantes alocados em cada uma das classificações do nível de stress segundo o Breve ICES.

A foto a seguir mostra um dos pesquisados se submetendo ao Treinamento Mindfulness.



5 Considerações Finais e Conclusão

Quem trabalha no meio dos treinamentos empresariais observa que os trabalhadores estão carentes por qualquer movimento que lhes traga mais engajamento e inspiração no trabalho. Não raro um treinamento técnico acaba tendo efeitos motivacionais, pois o clima de união em torno de uma intenção afeta profundamente os envolvidos.
O programa de meditação nesta empresa foi muito bem recebido pelos funcionários e a maior parte deles conseguiu praticar por pelo menos 4 dias na semana. O canal interativo foi um espaço útil de feedback, onde ficaram registrados depoimentos como “Estou me sentindo muito bem com a meditação, não vou parar mais de meditar me fez crescer muito emocionalmente e até fisicamente. Estou bem, muito bem.”; “...seria tão fantástico que os demais associados tivessem a experiência da meditação, assim como tem me ajudado a ser uma pessoa mais presente, sensata, calma, fico pensando em como teria os mesmos efeitos e até outro nos demais associados da empresa! beijos.” E “Quando percebo que estou ansiosa ou nervosa com algo, eu paro respiro fundo e começo a sentir minha respiração, o corpo. E tudo se ajeita e volta ao normal. Impressionante o poder da meditação.”
A empresa que oferece esta ferramenta ao funcionário tem como retorno não só a melhoria da performance do funcionário mas também sua gratidão e outros benefícios como o destaque para a imagem da empresa, entre outros.
Um aprendizado para um próximo estudo seria saber de antemão que um dia apenas para a coleta dos resultados finais pode ser um risco. Como aconteceu neste estudo, o dia marcado para o preenchimento dos questionários foi um dia atípico na empresa onde grande parte dos funcionários não conseguiu se disponibilizar para o evento. Assim, os 12 participantes que não estiveram presentem não puderam entrar na análise estatística de comparação pré e pós protocolo.
Os resultados positivos obtidos por este programa é um incentivo para mais estudos, como a inclusão de um follow up maior para observação do absenteísmo entre o grupo participante e outro grupo amostral dentro da empresa. Um grupo controle seria certamente uma escolha para outro estudo deste porte.
Nossa conclusão é de que a aplicação do treinamento mindfulness em ambiente empresarial traz outros benefícios imensuráveis gerais, além da melhoria da qualidade de vida de seus funcionários. Mais estudos controlados e com maior tempo de follow up se fazem necessários.

Referências

BAZZANO, A.N. et al. Effect of mindfulness and yoga on quality of life for elementary chool students and teachers: results of a randomized controlled school-based study. Psychology Research and Behavior Management: v.11, p.81–89, 2018.
Bishop, S.R. et al. Mindfulness: a proposed operational defnition. Clin Psychol Sci. Prac. v.11, n.3: 230-241, 2006.
BIZARRO, L., MENEZES, C. B., Effects of a Brief Meditation Training on Negative Affect, Trait Anxiety and Concentrated Attention. Paidéia, v.25, n. 62, p. 393-401, 2015.
CHEN, C.K. et al. A study of job stress coping strategies, and job satisfaction for nurses working in middle-level hospital operating rooms. Journal of Nursing Research, v. 17, n. 3, 2009.
Eberth J, Sedlmeier P. The Effects of Mindfulness Meditation: A Meta-Analysis. Mindfulness; v.3, n.3:174-189, 2012.
GRENSMAN, A. et col. Effect of traditional yoga, mindfulness–based cognitive therapy, and cognitive behavioral therapy, on health related quality of life: a randomized controlled trial on patients on sick leave because of burnout. BMC Complementary and Alternative Medicine. v. 18, n. 80, 2018.
Hirayama M.S,et al. The perception of behavior related to mindfulness and the Brazilian version of the Freiburg Mindfulness Inventory.Ciência & Saúde Coletiva, v.19, n.9:3899-3914, 2014.
HOGE, E. et al. Randomized Controlled Trial of Mindfulness Meditation for Generalized Anxiety Disorder: Effects on Anxiety and Stress Reactivity. J Clin PsychiatryI. v.74, n.8, p. 786-792, 2013
HUGH-JONES, S. et col. How Is Stress Reduced by a Workplace Mindfulness Intervention? A Qualitative Study conceptualising Experiences of Change. Mindfulness. v. 9, p. 474-487, 2018.
JANSSEN, M. et col. Effects of Mindfulness-Based Stress Reduction on employees’ mental health: A systematic review. Plos One. Disponível em https://doi.org/10.1371/journal.pone.0191332 J Kabat-Zinn J. Mindfulness-based interventions in context: Past, present, and future. Clin Psychol Sci Prac, v 10, n.2:144-156, 2003.
KELLER, A. et al. Does the Perception that Stress Affects Health Matter? The Association with Health and Mortality Health Psychol. v.31, n.5, p.677–684, 2012.
KERSEMAEKERS, W. et col. Association between Work Related Stress and Health Related Quality of Life: The Impact of Socio-Demographic Variables. A Preliminary Field Study in a Company Setting. Frontiers in Psychology. v. 9, n. 195, 2018.
LAMOTHE, M. et col. Developing professional caregivers’ empathy and emotional competencies through mindfulness-based stress reduction (MBSR): results of two proofof-concept studies. BMJ OpenI. v.8, 2018.
LA TORRE, G. et al. Association between Work Related Stress and Health Related Quality of Life: The Impact of Socio-Demographic Variables. A Cross Sectional Study in a Region of Central Italy. Int. J. Environ. Res. Public Health, v. 15, p 159-168, 2018.
MENDES, A.M.B, Aspectos psicodinâmicos da relação homem-trabalho: as contribuições de C. Dejours. Resenha. Psicol. cienc. prof. v.15 n.1-3, 1995.
MENEZES, C.B. et al. Brief Meditation and the Interaction between Emotional Interference and Anxiety. Psicologia: Teoria e Pesquisa. v. 32, n. 2, p. 1-8, 2016
MEISCHKE, H. et col. Protocol: a multi-level intervention program to reduce stress in 911 telecommunicators. BMC Public Health. v.18, p. 570-580, 2018
STRAUSS, C. et al. Evaluation of mindfulness-based cognitive therapy for life and a cognitive behavioural therapy stress-management workshop to improve healthcare staff stress: study protocol for two randomised controlled trials.Trials. v.19, p. 209. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s13063-018-2547-1 STATISTA https://www.statista.com/topics/2099/stress-and-burnout/ acesso em 14 de maio de 2018.
Copyright © ISMA-BR 2001
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial.
ISMA-BR - International Stress Management Association no Brasil
CNPJ: 03.915.909/0001-68
Rua Padre Chagas, 185 conj 1104
Moinhos de Vento
90570-080 Porto Alegre, RS
+55 51 3222-2441
stress@ismabrasil.com.br